sábado, 8 de novembro de 2008

O mundo ruiu (parte 1)

O mundo ruiu. Seis horas e alguns poucos minutos da noite se iam quando a notícia de que o tudo estava a desmoronar chegou-lhe por telefone. A princípio achou ser mais uma peça de quem lhe falara, contudo se deu conta que ninguém em 1 ano ligou para ele. E quando o telefone tocava sempre era com algo a lhe chatear. De fato, a nova notícia era realmente desagradável, todavia não se preocupou. Recebeu-a com resignação e num momento de lucidez, que ultimamente lhe era raro, sussurrou: “Antes tarde do que nunca”. Concluindo mais à frente que nunca havia visto um clichê se adequar tão bem aos seus sentimentos.

Com a calma de quem sabia que tudo estava se acabando do lado de fora de sua cortina, que por sinal estava fechada, foi até o fogão colocar um pouco de água para esquentar. Não deixaria de tomar seu chá só por conta de uma bobagem dessas. Quem o visse trabalhar lentamente emergindo e submergindo o saquinho contendo o chá diria que este homem tem todo o tempo do mundo. Não obstante o tempo transcorrido desta vagarosa ação, o homem logo se pôs em uma nova empreitada. Como se esqueceu de colocar açúcar na água enquanto esta estava ao fogo resolveu novamente iniciar todo o processo para a feitura do chá. Chaleira, água, açúcar, fósforo, botão girado, fogo. Caneca, saquinho com chá verde sabor maracujá. Tudo devidamente lento, cansativo de olhar e de descrever.

Por volta das oito horas da noite o telefone voltou a tocar. Nunca recebera duas ligações em uma semana, o que dirá em um mesmo dia. “Aaaalô”. Escutou na linha uma voz feminina a qual não conseguia identificar. A mulher que ligara estava muito desesperada, pois sabia que o irremediável na vida de todos os mortais chegara antes do que ela e todos os outros haviam programado. “Escute, vamos todos môÔôrrrerrrrrr, eu nãããão estou prontaaaa”. Sem se preocupar muito com estas palavras indagou: “Quem fala?!” Sem entender, a resposta veio rápido. “Como assim quem fala?” Como a resposta pareceu-lhe não satisfatória desligou o telefone. Incrédulo e um pouco nervoso se chateava remoendo as palavras “como assim quem fala” como se tivesse ele a obrigação de saber quem estava do outro lado da linha, como se tivesse obrigação de identificar aquela voz. Ninguém o procurava pra nada há muito, como também há muito ninguém sabia se estava vivo ou morto, agora quando todos estão pra morrer o seu telefone toca como se fosse obrigado a adivinhar quem está ligando. Era muito para ele. (continua)

sábado, 1 de novembro de 2008

Lar dos desavisados

Quando a porta bate o cão deixa escorrer o sangue pelo rosto. Molho o corpo e esqueço o fim dos objetos mortos. Torno-me meu anseio. Por vezes a raiva é tamanha que sua contenção é necessária para que todos possam continuar a dar voltas sobre si próprios enquanto um padece dentro de seu travesseiro sujo e gasto. Frente aos desesperos já cansados e às preocupações já redundantes ainda me dão um lugar ao qual não tenho interesse de ocupar. É girando dentro dos sonhos duros de serem comentados que carrego as cruzes não só sobre ombros, mas por toda vida. Se mesmo queimando em prantos, os lares, as onças e os gafanhotos tiram-me o pequeno sossego é porque o gato deixou que o rato comesse o queijo embolorado. Não há como se desvencilhar. Na cama onde as costas procuram por um bom descanso é que os medos e as dores do mundo recaem nos olhos. Olhos nutridos por um querer máximo de deixar o furacão acabar com os outros e ver o quão belo poderia ser a vida quando novamente, depois da reconstrução, a calmaria se instalasse. Nuvens se formam. Frestas se abrem e como em um conto sádico de nuances fantásticas a lagarta se estica debaixo do sol pra comer a borboleta que brigou com o esquilo pela posse de um espaço no galho e teve suas asas cortadas. A lagarta se empanturra. De volta a casa, sinto que não há lugares para se esconder ou para se acalmar. Não há. E a vontade de chorar e de gritar perdura. Imaginem um sofrer eterno. Transponham-se para lá e deixe que ele se instale por alguns segundos. Imaginem-se como a borboleta que não podendo se mover percebe se aproximar a lagarta com a boca cheia de água por seu corpo suculento. Não falo de sexo, falo de canibalismo, pois quer queira quer não a lagarta tornar-se-á, mais dia menos dia, em borboleta. Sinta a proximidade do horror chegando. Agora deixe disso e pense em sexo. Talvez eu precise de mais sexo. Talvez de mais álcool. Talvez eu precise ser um pouco mais àquele de outrora com todos os demônios expostos na roda.. Tanto faz. Eles não ligam de se exporem e acho que eu tão pouco. Mentira. Se pudesse me revelar em uma palavra talvez esta seria “contido”. Contido nas lembranças. Contido no caminhar. Contido no dançar. Contido no enlouquecer. Contido no chorar. Contido no extravasar. Contido no sofrer. Contido na escuridão. Contido no viver. Não sei ainda, mesmo depois de tantos anos, usar com exatidão minha mão. Masturbação?! Não! Escrita e violão. Vendo meu mundo em suaves prestações. Todas por apenas zero centavo de real. Isso é que é oferta. 100% off. Veja! Logo ali... meu lar a ruir.