domingo, 23 de dezembro de 2012

Resquícios

Há muito por aqui. Toalhas, camisetas, cuecas, lençóis, cadernos, cigarros e restos de comida. Em meio ao todo estão corpos ou ratos. Sangue ou molho de tomate. Não há como precisar. O quarto, pequeno, não mais existe. Só um amontoado de vícios e roupas sujas. A televisão também está um pouco danificada, assim como o móvel que a sustenta. A cama, sem lençol, possui mais suor que qualquer ser humano, ela fede. O armário está cheio de cupins. Os livros já não são lidos. Tudo o que se pode fazer é deitar e apreciar, de certa forma, a degradação. O barulho vindo da rua o deixa ainda mais louco. Gritos e mais gritos emanam do apartamento. Todos eles veem de uma pessoa, Bento. Quem o ouve não mais acredita em sua lucidez. 


quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Amanha pararei... amanhã


A rotina para viciados pode ser intensa. Manter-se sóbrio é algo buscado diariamente. Manter-se chapado é inerente ao dia. Não se pode lutar contra aquilo que preenche as horas e faz esquecer, acordar, adormecer, levitar. Há viciados para todo o tipo de merda. Sexo, álcool, crack, religião, exercícios e várias outros. Nem tudo que faz mal vicia, assim como nem tudo que faz bem é realmente bom. Dialeticamente convivemos com o lado bom e ruim de qualquer vicio. Só que os drogados são os que sofrem mais.
Gosto das drogas, tenho asco por religião e exercícios. Os amigos acreditam estou no fundo do poço. A família não acredita ter um ente neste estado. Eu acredito que isso me faça vivo. Se ainda estou aqui, devo isso às drogas. São três tipos de medicamentos prescritos pelo psiquiatra e mais três outros que me entorpecem, claro, comprados fora da drogaria. Todos juntos fazem com que minha cabeça se alargue tanto até que eu me esqueça de mim, do mundo e de qualquer vínculo social que possa ter. Fico à mercê do meu ser. Ele não é mais bonito que o de outra pessoa, mas é realmente meu. Se falo demais, se balanço meu corpo demais, se meus olhos ficam vermelhos e parecem cansados, se me contorço por inteiro, se deito no chão e acendo um cigarro para olhar o teto, estou feliz. Aquele momento é meu. Se caiu na rua e me machuco, isso também é meu. Desde que não faça mal aos outros, de qualquer forma possível, não me importo com as consequencias. A morte é a única certeza que temos. Já nascemos mortos. Por que, então, não sermos livre nesse tempo a findar? Esteja certo, a sobriedade é o lugar do não, da negação da liberdade, da falta. Sempre penso nisso quando estou prestes a me perder ou me achar. Depende de quem olha...

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Barulho.
O transito não pára do lado de fora da janela.
O transito nunca pára.
O incomodo barulho enlouquece.
Vrums,
Vrummmmssss,
Irrrcc,
Biiiiiiiiiiiiiiii,
Bibi,
Vrum vrum vrum.
O incomodo barulho mata...
Puff...

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Terra, buceta e almas perdidas (parte 1)

Atirou-se na lama. A necessidade vinha sempre que passava de ônibus pela encosta enchardada pela chuva. Precisava estar em contato direto com aquilo. Sem metáforas ou anedotas. Lama feita de barro e água. A ideia anterior de lama deu lugar a experiência vivida. O contato com ela era mais do que uma vivência. Era experiência estética, capaz de mudar conceitos de lugar, transformar, levar à ação.

Nunca foi afeito a tomar atitudes. Sempre deixou a vida seguir seu rumo. Só agora isto o incomodava. Lavou-se na lama. Seguiu o restante do caminho a pé. Quase dois quilômetros de aventura, em um acostamento fino, até sua casa. Todo o barro, impregnado em suas roupas e cabelos, se dissipava com a chuva torrencial. Sentia-se louco, talvez o fosse, mas enganava bem. Sua apatia corriqueira deu lugar aquele gesto determinando uma possível guinada. "Lama não são os bares, a mulheres e toda a loucura da noite, lama é isso no meu rosto.", pensou.

Banho tomado. Roupa de dormir. Comida esquentando no fogão. O cansaço da caminhada e o dia extenuante no trabalho contribuiam para seu desperezo com o que o mundo lá fora poderia lhe dar. Encheu a barriga. Abriu uma cerveja e ligou o som. Abriu outra cerveja. Aumentou o volume. Tomou uma dose de bourbon. Aumentou o volume. Abriu mais uma cerveja e foi para o quarto se trocar.

- Alô?! Quem é?!
- É o Bento! Vamos sair?!

Letícia entendeu o recado e disse que o buscaria em uma hora. Não combinaram lugar ou o que fariam. Decidiriam no caminho para o Centro. Meio bêbado, Bento estava ansioso para deixar sua casa. De uma hora para outra a lama se instalou novamente e viu seu rosto tomado pela terra molhada.  A maquiagem estava ótima e ele ansioso para mostrar a ela. Letícia, sua amiga há anos, era um pouco disléxica, apesar da inteligência. Odiava lugares cheios, pessoas burras, conversas sobre o nada, fofocas e vivia cercada de gente interessante. Nunca teve um namorado. Não acredita em amor, só em sexo. Tem pouco interesse em relações em que possa se sentir presa, seja quais elas forem. Em seus 29 anos o tédio nunca lhe sorriu. Sua cabeça explode de ideias e seu trabalho, como artista plástica, a satizfaz por completo. Já Bento tenta lidar com seu demônios desde que se entende um homem. Analista de marketing, ele não suporta o emprego e se vê dia após dia atolado em desesperança. Suas aspirações parecem longe de deitarem em sua cama. A única coisa que o salva é sua vida noturna. Bebidas, drogas e cada vez mais mulheres. A tríade universal.


terça-feira, 28 de agosto de 2012

Das noites a nadar nas nádegas nefastas

Olá!
Que venha aqui me perguntar se ainda há um pouco de graça no pisar. Digo não.
Confuso e cinzento, de céu aberto na boca da lata sem coca.

Repara que o outro vem significar aquilo que já não mais pode.
Repara que o outro vem determinar o passo e o compasso das horas e dos pormenores gastos a troco de vento e gripe no peito.

Vassalo de ninharias dispostas na loucura gangrenada da testa daquele que de ilusionista passou a ser persecutório da ilusão esquizofrênica dos sentidos táteis, forçados pela cabeça estanque com cheiro de estrume podre cagado por porcos, coisa suja mesmo!

Se de olhares virasse um prodigioso dono do labor que restou à face ruborizada de quem achou por bem tocar na fonte da ovelha e vê-la tilintar de frio na espinha pelo abuso sofrido no ânus que penetrou-lhe a carne e a fez berrar na língua,talvez seria pouco pensar nas vagarosas incomodações que se sucedem pelo corpo que acha estar, mas não está.

No fim tudo se mostra como tédio. No fim do se volta para o tédio.
Às voltas com ele, deixo-me seduzir pelos labirintos difíceis de escapar, e me molho nas águas mornas de um viver atormentado pelo morrer, vivo dentro de um aquário horizontal de caminhos fáceis de trilhar nos momentos áureos do entorpe lunático da mente pregressa.

Rigidez dos cataventos que não dormem nas noites gélidas do deserto.

Bem quistos são aqueles que vivem no apogeu triunfante das memórias fáceis, e na fugacidade relacional das almas, que se incendeiam nas mesas à procura de um sorriso novo que lhe venha embriagar com o álcool que desce sem molhar a paz eterna da vida sem sobressaltos sentimentais.

Vide em mim nossas agruras. Vide em mim a ceia eterna do faminto que nunca cessa de comer. Raro não são os ossos roídos e depois disparados ao ar somente para ver se a maneira de se ter ou de se estar, e de não se estar e nem se ter, não passa de mero distúrbio cerebral do achar.

terça-feira, 6 de março de 2012

Mingau

desci do ônibus e percebi que estava no lugar errado. decidi caminhar. o sol queimava. a camisa preta me fazia suar mais do que o habitual. a vida tem sido uma merda. constantes dissabores me fazem perceber o quanto é um fardo levantar da cama. o despertar é uma das piores sensações quando se está em luta. não faz sentido um morto brigar. o vazio, consumido rapidamente a todo instante, é preenchido por mais vazios. dois vazios podem ocupar o mesmo lugar, em um mesmo instante.
vivo na imensidão, na afetação de um viver destituído de vida. falo por mim, é claro. mesmo porque quando olho para os outros percebo-os tão cheios de si, cheios de tudo. entupidos até o talo. entupidos o bastante para transbordarem suas merdas por aí. claro, a merda é por minha conta. talvez eles, os outros, não se dêem conta, pois estão tão perfumados que não conseguem sentir o cheiro que saem de seus corpos. não que eu não cheire a merda. talvez o que exala de mim seja mais parecido com carne em decomposição. é difícil saber essas coisas.
já não chegaria mais à entrevista. há meses procuro uma forma de ganhar dinheiro sem ter que trabalhar muito. o desemprego veio em um bom momento. precisava de tempo para clarear as ideias e tentar entender como se projeta uma boa pipa. daquelas que se perdem no céu. nunca consegui fazer nada voar muito alto. o seguro desemprego chegava ao fim e com ele todo o resto do dinheiro. o tempo que tive não serviu para desembaçar a janela e muito menos para projetar a sonhada rabiola. não serviu para nada. bebi, dormi e me afastei de tudo que pudesse ser considerado humano. passei dias e dias trancado em casa, saindo apenas para comprar cigarros e mais alcool. algumas vezes, sentei em bares durante a tarde para me perguntar se tudo isso realmente valia a pena. sem encontrar resposta satisfatória para me dedicar a outros caminhos, concluí o óbvio: valia a pena.
virei à esquerda e encontrei um bar. sentei. perguntei ao garçom se poderia acender um cigarro. ele fez positivo com o polegar. deixei a tragada fluir. depois derramei um pouco de cerveja na garganta. eram três da tarde, estava sem trabalho e meu dinheiro estava no fim.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

E veio como um suspiro

cansado dos diversos rostos a se contorcerem à sua frente foi-se deitar. tentou se esquecer dos barulhos da sala e se concentrar de vez por todas nas voltas que sua cabeça dava ao redor de seus olhos. aquilo era algo extremamente precioso e não poderia ser perder por conta de infortúnios exteriores. deixou-se levar.
quanto daquela noite ainda havia ali? quanto daqueles gestos haviam ficado estagnado no corpo e no olhar? não era isto que gostaria de pensar. “mas poderia sê-lo”, indagou. já se foram alguns pedaços da hora, que antes estava cheia, e ele ainda está lá, tentando concentrar seus esforços para perceber sua cabeça girando à sua frente. é importante considerar que já não havia nele, naquele momento e vários atrás, condição alguma de sobriedade. Seria difícil se concentrar em qualquer coisa, o que dirá em sua própria angústia alcoolica, como está tentando fazer.
de fato não eram só as diferentes formas de alcool ingeridas nesta noite, mas também eram os traços da outra noite que estava a remoer. algo ainda estava nele, mas não tinha certeza exatamente do que poderia ser. não tinha certeza de muito de suas memórias. lembrava-se, apenas, que havia tido bons momentos. quantos? por quanto tempo? com quem? ainda estava vago.
e como um suspiro, desceu sobre ele o sono. entre a vigília e o descanso restaram as lembranças de um adormecer ainda não completo. de súbito, abriu os olhos. tatou o ar como se ainda estivesse a sonhar. tentou se lembrar onde estava. tentou reconhecer os móveis ao seu redor. e quando estava certo do lugar ao qual ocupava, os ventos daquela noite sopraram-lhe os ouvidos. entorpecido pelas lembranças que só agora afloravam e pelas vontades de outrora guardou os próximos suspiros para o dia em que viria novamente ter as sensações daquela noite em seu corpo e em seu olhar.