terça-feira, 6 de março de 2012

Mingau

desci do ônibus e percebi que estava no lugar errado. decidi caminhar. o sol queimava. a camisa preta me fazia suar mais do que o habitual. a vida tem sido uma merda. constantes dissabores me fazem perceber o quanto é um fardo levantar da cama. o despertar é uma das piores sensações quando se está em luta. não faz sentido um morto brigar. o vazio, consumido rapidamente a todo instante, é preenchido por mais vazios. dois vazios podem ocupar o mesmo lugar, em um mesmo instante.
vivo na imensidão, na afetação de um viver destituído de vida. falo por mim, é claro. mesmo porque quando olho para os outros percebo-os tão cheios de si, cheios de tudo. entupidos até o talo. entupidos o bastante para transbordarem suas merdas por aí. claro, a merda é por minha conta. talvez eles, os outros, não se dêem conta, pois estão tão perfumados que não conseguem sentir o cheiro que saem de seus corpos. não que eu não cheire a merda. talvez o que exala de mim seja mais parecido com carne em decomposição. é difícil saber essas coisas.
já não chegaria mais à entrevista. há meses procuro uma forma de ganhar dinheiro sem ter que trabalhar muito. o desemprego veio em um bom momento. precisava de tempo para clarear as ideias e tentar entender como se projeta uma boa pipa. daquelas que se perdem no céu. nunca consegui fazer nada voar muito alto. o seguro desemprego chegava ao fim e com ele todo o resto do dinheiro. o tempo que tive não serviu para desembaçar a janela e muito menos para projetar a sonhada rabiola. não serviu para nada. bebi, dormi e me afastei de tudo que pudesse ser considerado humano. passei dias e dias trancado em casa, saindo apenas para comprar cigarros e mais alcool. algumas vezes, sentei em bares durante a tarde para me perguntar se tudo isso realmente valia a pena. sem encontrar resposta satisfatória para me dedicar a outros caminhos, concluí o óbvio: valia a pena.
virei à esquerda e encontrei um bar. sentei. perguntei ao garçom se poderia acender um cigarro. ele fez positivo com o polegar. deixei a tragada fluir. depois derramei um pouco de cerveja na garganta. eram três da tarde, estava sem trabalho e meu dinheiro estava no fim.